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3rd fev

2009

Extradição aos olhos da Legislação Brasileira

O tema extradição nos últimos dias tem sido amplamente discutido, em especial em virtude do processo de Extradição que tramita no Supremo Tribunal Federal, solicitado pelo Governo da Itália, de Cesare Battisti.

 

À parte do incidente, vamos aproveitar a repercussão gerada pelo tema para comentarmos um pouco sobre o assunto sob a ótica da legislação brasileira (Lei 6.815/80), vez que é um dos pontos mais interessantes do Direito Internacional, em especial no tocante à Soberania do Estado.

 

Na lição do Mestre Francisco Resek, a “extradição é a entrega, por um Estado a outro, e a pedido deste, de pessoa que em seu território deva responder a processo penal ou cumprir pena”.

 

 

Requisitos para a concessão da Extradição

 

Importante atentar que para que haja o procedimento da extradição é necessário o cumprimento de alguns requisitos:

 

  • Somente se extradita para fins penais, não sendo instrumento jurídico competente para qualquer outra medida jurídica;
  • O Estado que solicita deve requerer ao outro Estado a extradição;
  • O Estado que realizará a extradição, em regra, não deve ser competente para processar e julgar o delito ora sob análise;
  • Deve existir entre os dois Estados tratado internacional prevendo que, em se cumprindo determinados requisitos, um Estado se compromete a entrega da pessoa;
  • Caso não haja tratado anterior, é possível a extradição, desde que seja feito um acordo de reciprocidade;
  • O crime deve ter sido cometido no território do Estado requerente ou serem aplicáveis ao extraditando as leis penais desse Estado
  • Deve existir sentença final de privação de liberdade, ou estar a prisão do extraditando autorizada por Juiz, Tribunal ou autoridade competente do Estado requerente.

 

 

Pedido de extradição por mais de um Estado

 

Quando mais de um Estado requerer a extradição da mesma pessoa, pelo mesmo fato, terá preferência o pedido daquele em cujo território a infração foi cometida.

 

Caso os pedidos tratem-se de crimes diversos, terão preferência, sucessivamente:

 

  • O Estado requerente em cujo território haja sido cometido o crime mais grave, segundo a lei brasileira;
  • O Estado que em primeiro lugar houver pedido a entrega do extraditando, se a gravidade dos crimes for idêntica;
  • O Estado de origem, ou, na sua falta, o domiciliar do extraditando, se os pedidos forem simultâneos.

 

Quando o caso de solicitação de extradição por mais de um Estado não se enquadrar em nenhuma das situações anteriores, cabe exclusivamente ao Governo brasileiro decidir sobre a preferência, sem qualquer intervenção externa, salvo quando houver tratado ou convenção com algum dos Estados requerentes, hipótese que prevalecerá o tratado no que dispuser a respeito da preferência.

 

 

O Processo de Extradição no Brasil

 

A extradição deverá ser requerida por via diplomática ou, na falta de agente diplomático do Estado que a requerer, diretamente de Governo a Governo, devendo o pedido ser instruído com a cópia autêntica ou a certidão da sentença condenatória, de pronúncia ou da que decretar a prisão preventiva, proferida por Juiz ou autoridade competente.

 

Esse documento ou qualquer outro que se juntar ao pedido conterá indicações precisas sobre o local, data, natureza e circunstâncias do fato criminoso, identidade do extraditando, e, ainda, cópia dos textos legais sobre o crime, a pena e sua prescrição, todos em língua portuguesa.

 

Não havendo tratado que disponha em contrário, os documentos indicados neste artigo serão acompanhados de versão oficialmente feita para o idioma português no Estado requerente.

 

O Ministério das Relações Exteriores remeterá o pedido ao Ministério da Justiça, que ordenará a prisão do extraditando colocando-o à disposição do Supremo Tribunal Federal, sendo que em caso de urgência, poderá ser ordenada a prisão preventiva do extraditando desde que pedida, em termos hábeis, qualquer que seja o meio de comunicação, por autoridade competente, agente diplomático ou consular do Estado requerente.

 

Para que tenha a extradição é indispensável o pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão.

 

Em caso de deferimento da prisão, esta perdurará até o julgamento final do Supremo Tribunal Federal, não sendo admitidas a liberdade vigiada, a prisão domiciliar, nem a prisão albergue.

 

O Ministro Relator do STF, ao receber o pedido, designará dia e hora para o interrogatório do extraditando e, conforme o caso, dar-lhe-á curador ou advogado, se não o tiver, correndo do interrogatório o prazo de dez dias para a defesa.

 

A defesa deve versar sobre a identidade da pessoa reclamada, defeito de forma dos documentos apresentados ou ilegalidade da extradição. Não estando o processo devidamente instruído, o Tribunal, a requerimento do Procurador-Geral da República, poderá converter o julgamento em diligência para suprir a falta no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias, decorridos os quais o pedido será julgado independentemente da diligência.

 

Concedida a extradição, será o fato comunicado através do Ministério das Relações Exteriores à Missão Diplomática do Estado requerente que, no prazo de sessenta dias da comunicação, deverá retirar o extraditando do território nacional; não o fazendo no prazo será o acusado posto em liberdade, sem prejuízo de responder a processo de expulsão, se o motivo da extradição o recomendar.

 

Caso negada a extradição, não se admitirá novo pedido baseado no mesmo fato.

 

O extraditando que, depois de entregue ao Estado requerente, escapar à ação da Justiça e homiziar-se no Brasil, ou por ele transitar, será detido mediante pedido feito diretamente por via diplomática, e de novo entregue sem outras formalidades.

 

Salvo motivo de ordem pública, poderá ser permitido, pelo Ministro da Justiça, o trânsito, no território nacional, de pessoas extraditadas por Estados estrangeiros, bem assim o da respectiva guarda, mediante apresentação de documentos comprobatórios de concessão da medida.

 

 

Impossibilidade de Extradição

 

A legislação brasileira veda a concessão de extradição quando presente qualquer dos requisitos abaixo:

 

  • Se o pedido requerer a extradição de brasileiro nato;
  • Se o pedido requerer a extradição de brasileiro naturalizado, salvo se o delito que motiva o pedido ocorreu antes da concessão da nacionalidade brasileira ou em se tratando de tráfico de entorpecente, sem o critério cronológico;
  • Se o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente;
  • Quando o Brasil for competente, segundo suas leis, para processar e julgar o crime imputado ao extraditando;
  • Quando a lei brasileira impuser ao crime a pena de prisão igual ou inferior a 1 (um) ano;
  • Se o extraditando estiver a respondendo a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido;
  • Nos casos em que estiver extinta a punibilidade pela prescrição segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente;
  • Nos casos em que o fato constituir crime político, pois a lei brasileira somente extradita por fato considerado crime comum;
  • Em casos que o extraditando houver de responder, no Estado requerente, perante Tribunal ou Juízo de exceção.

 

 

Atenção, a extradição pode ser concedida à pessoa que estiver sendo processada, ou tiver sido condenada, no Brasil, por crime punível com pena privativa de liberdade, no entanto a extradição somente será executada depois da conclusão do processo ou do cumprimento da pena. Se conveniente ao interesse nacional, a expulsão do estrangeiro poderá efetivar-se, ainda que haja processo ou tenha ocorrido condenação.

 

O Governo poderá ainda entregar o extraditando ainda que responda a processo ou esteja condenado por contravenção.

 

 

Compromissos que o Estado deve assumir para que haja a Extradição

 

Para que haja a efetividade da extradição, o Estado requerente deve se comprometer perante o Estado Brasileiro que:

 

  • O extraditando preso não será processado por fatos anteriores ao pedido;
  • Deve o Estado requerente computar o tempo de prisão que, no Brasil, foi imposta por força da extradição;
  • Substituir a eventual pena corporal ou de morte em pena privativa de liberdade; salvo no caso em que a legislação brasileira permite a pena de morte;
  • A pena imputada no Estado requerente não pode ser superior a pena máxima aplicada no Brasil (30 anos);
  • O Estado requerente não pode entregar o extraditado para outro Estado sem consentimento do Brasil;
  • Não pode o Estado requerente considerar qualquer motivo político, para agravar a pena.

 

 

A Extradição e o Poder do Congresso Nacional

 

Disciplina a Constituição da República que “é da competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”.

 

Sobre análise desse dispositivo constitucional surge o questionamento se deve ou não Congresso Nacional participar do processo de extradição.

 

Em que pese a lei 6.815/80 ser clara quanto à participação no processo de extradição somente dos Poderes Executivo e Judiciário, poderia, em uma análise preliminar da matéria, pairar eventual dúvida sobre a necessidade de participação do Congresso Nacional.

 

Em análise mais profunda evidencia-se que não há necessidade da participação congressional no processo de extradição, como bem nos clarifica Francisco Rezek: sobre a extradição “sua aceitação não significa, em absoluto, um compromisso internacional sujeito ao referendo do Congresso. Ao governo é lícito, ademais, declinar da promessa formulada, em espécie, por país cujas solicitações anteriores tenham tido melhor êxito”.

 

O ministro Victor Nunes Leal, na qualidade de relator da Extradição 272-4, manifesta-se:

 

“O melhor entendimento da Constituição é que ela se refere aos atos internacionais de que resultam obrigações para o nosso país. Quando muito, portanto, caberia discutir a existência da aprovação parlamentar para o compromisso de reciprocidade que fosse apresentado pelo governo brasileiro em seus pedidos de extradição. Mas a simples aceitação da promessa de Estado estrangeiro não envolve obrigação para nós. Nenhum outro Estado, a falta de norma convencional, ou de promessa feita pelo Brasil (o que não é nosso caso), poderia pretender à extradição, exigível do nosso país, pois não há normas de direito internacional sobre a extradição obrigatória para todos os Estados.” (caso Stangl, RTJ 43/193).

 

 

A recusa da Extradição e a impunidade

 

Corriqueiramente se transmite a idéia de que quando o Brasil recusa conceder a extradição tem-se impunidade do delito praticado.

 

Na hipótese de que o fato constitua realmente um delito para a lei brasileira, essa idéia é falsa, pois prevê a legislação criminal brasileira (art. 7º do Código Penal) que compete ao Brasil, embora cometido no estrangeiro, processar e julgar os crimes:

 

  • Contra a vida ou a liberdade do Presidente da República
  • Contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público;
  • Contra a administração pública, por quem está a seu serviço;
  • De genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; (atenção ao Estatuto de Roma)
  • Que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;
  • Praticados por brasileiro;
  • Praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados (princípio da bandeira)

 

  • Nos casos previstos nos itens 1,2 e 3 o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro.
  • Nos casos previstos nos itens 4,5 e 6 a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: a) entrar o agente no território nacional; b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

 

 

Caros alunos, aí está um pouco sobre a extradição. Muito mais há que se falar, mas como este artigo está beirando ser um tratado, fico por aqui; no entanto convido os senhores a ler um pouco mais sobre o tema no livro Direito Internacional Público – Curso Elementar do Professor Francisco Rezek; indico em especial a subseção “Variantes Ilegais da Extradição”.

 

Espero ter contribuído um pouco mais no estudo de vocês.

 

Parabéns a todos pela busca do conhecimento.

 

Abraços.

Prof. Ahyrton Lourenço

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